A Face Obscura da Moda: riscos ambientais e humanos provocados pela indústria têxtil

14-04-2020

Artigo de Cláudia V. Silva

As sociedades modernas e todos os seus ecossistemas enfrentam vários problemas  ambientais, políticos e sociais devido aos nossos padrões globais de produção, consumo e mobilidade (Siewicz, J. et al., 2010). A moda como a conhecemos hoje, também designada por fast fashion, está incluída nesta problemática. É uma das indústrias mais rentáveis e também uma das mais poluentes. 

Resultante dos processos de globalização e de deflação em países subdesenvolvidos, o atual modelo de produção e consumo de produtos têxteis pode ser explicado pelo aumento da importação de recursos baratos - por parte dos países ocidentais - que, posteriormente, externalizam os seus custos ambientais. Estando ao abrigo das economias de baixo custo, a fast fashion torna-se desumana e sujeita todas as sociedades a hierarquias e conflitos de poder (Santos, 2002; Rice, 2007). Tal como é demonstrado no documentário The True Cost (2015), produzido por Andrew Morgan, o fabrico têxtil das grandes marcas ocidentais é assegurado por condições laborais degradantes, como 16 horas diárias de trabalho por um valor inferior a 13 cêntimos por hora. As marcas procuram insistentemente os preços mais baixos do mercado e as fábricas são obrigadas a ignorarem todas as medidas de segurança para que possam corresponder aos valores requisitados. Consequentemente, esta negligência laboral já provocou, em menos de dez anos, numerosas catástrofes, como o desabamento de edifícios e múltiplos incêndios, em países como o Paquistão e Bangladesh.

Também o algodão, enquanto planta responsável pela produção de fibra e uma das mais populares na indústria têxtil, teve que ser reinventado para acompanhar o ritmo acelerado da fast fashion. Como incentivo à sua introdução no solo de países exportadores, as empresas de biotecnologia decidiram modificar a composição genética desta planta, atribuindo-lhe componentes inseticidas responsáveis pelo controlo de pragas. Esta mudança não só alterou o negócio de sementes, com a criação de novos monopólios, como também agravou os prejuízos ambientais, uma vez que a utilização excessiva de pesticidas e fertilizantes é uma das principais causas para a degradação dos solos e para a contaminação da água. A poluição catastrófica do rio Ganges, na Índia, é um verdadeiro exemplo das consequências ambientais desta indústria. 

De igual forma, os resíduos têxteis provenientes de todo o mundo, despejados em aterros de países subdesenvolvidos, também contribuem para a emissão de gases nocivos uma vez que não são biodegradáveis. Todos estes fatores, como a erosão dos solos, a má da gestão da água, a poluição atmosférica, a destruição de habitats e os impactos decorrentes da introdução de espécies não nativas, conduzem a uma única consequência óbvia e comum a todos as nações: o colapso ecológico (Diamond, 2005). Consequentemente, estas transformações traduzem-se em disfunções políticas e sociais, motivadas pelas péssimas condições laborais e pelo aumento do número de pessoas refugiadas por motivos ambientais (Assadourian, 2010).

Além dos efeitos nocivos que a moda exerce sobre o meio-ambiente, é crucial apontar para as consequências que a saúde humana atravessa, como o aumento do número de defeitos congénitos e de doenças oncológicas. No entanto, as entidades responsáveis rejeitam qualquer tipo de responsabilidade. 

Uma vez que as comunidades afetadas são as mais desfavorecidas, nem sempre lhes é possível recorrerem a tratamento médico adequado acabando por aceitarem determinadas condições clínicas e, em alguns casos, até mesmo a morte prematura. Em entrevista para o documentário The True Cost, a ativista ambiental, Vandana Shiva, refere que o uso de químicos e de organismos geneticamente modificados é um ciclo vicioso, pois as empresas que os produzem e comercializam também pertencem à indústria farmacêutica. Isto significa que as doenças e os defeitos congénitos provocados pela fast fashion são igualmente uma fonte de lucro para estes grupos empresariais.

Todavia, existe uma explicação psicológica para a massificação da indústria têxtil. Gills Lipovetsky (2010) diz-nos que, desde o final da II Guerra Mundial, a cultura das sociedades ocidentais tem vindo a tornar-se cada vez mais materialista e hedonista, estando este comportamento diretamente relacionado com as ansiedades e angústias quotidianas. Os indivíduos tendem a consumir mais quando se sentem mais frustrados e stressados, procurando por novidades que lhes possam solucionar temporariamente os problemas do dia-a-dia ou preencher o vazio que estão a sentir naquele momento. 

Além disso, todos os dias somos bombardeados com símbolos consumistas, na sua maioria pelos media, que nos sugerem que a posse de bens é o caminho para a felicidade e para a satisfação de todas as nossas necessidades. É uma pressão simbólica que faz o público acreditar que conseguirá alcançar reconhecimento, distinção e admiração através da compra e da utilização de determinados produtos e serviços. De acordo com o mesmo autor, as pessoas já não compram com base na utilidade de determinado produto, mas conforme o significado e valor simbólico e social que esse objeto lhes pode oferecer. Ou seja, além do prestigio e estatuto, as pessoas compram por puro prazer e nem as que se apresentam como economicamente mais pobres escapam a esta tendência. Veja-se, por exemplo, as peças de roupa falsificadas, também elas problemáticas para o meio ambiente e para a saúde humana, pois são fabricadas nos mesmos países exportadores.

O processo criativo e a produção em massa não param: existe sempre algo novo para fabricar, vender, vestir e mostrar. No entanto, o hiperconsumismo, ao constituir-se como uma forma de escape para os mais individualistas, impossibilita-os de se debruçarem sobre as consequências do seus próprios atos. Uma vez que a ação humana é a principal ameaça ao meio-ambiente e ao bem-estar da humanidade, a indústria da moda só poderá valorizar as pessoas, o meio-ambiente, a criatividade, a produtividade e até mesmo o próprio lucro quando todos os indivíduos e instituições, incluindo as educacionais, as empresariais, as governamentais e as sociais, se unirem e começarem a trabalhar para uma mudança positiva e sustentável. 

É necessário que as consequências ambientais comecem a ser credibilizadas, inclusivamente pelas próprias multinacionais responsáveis pela produção, distribuição e consumo têxtil. A nível individual, devemos ter em conta a ética das marcas, reutilizar a nossa própria roupa e optar por lojas de artigos em segunda mão. É fundamental que a nossa cultura seja transformada e as nossas ações repensadas. Contudo, isto não significa o fim do hiperconsumismo. As alternativas ecológicas podem contribuir para o desenvolvimento da sustentabilidade, mas não necessariamente para o fim do consumo. 

Em suma, se o hiperconsumismo tem vindo a ser utilizado para suprir, em parte, as necessidades emocionais, então é fundamental que os indivíduos procurem satisfazer essas carências de outra forma e por vias mais sustentáveis.

«Sustainable consumption is not about consuming less, it is about consuming differently, consuming efficiently, and having an improved quality of life»

United Nations Environment Programme (1999) 

Referências bibliográficas:

  • ASSADOURIAN, E. (2010). The Rise and Fall of Consumer Cultures, in Transforming Cultures From Consumerism to Sustainability, State of the World 2010, Worldwatch Institute, pp. 3-20.
  • DIAMOND, J. (2005). Collapse: How societies choose to fail or succeed. New York: Viking.
  • LIPOVETSKY, G. (2010). Sociedade de hiperconsumo e felicidade, In O Ambiente na Encruzilhada: Por um Futuro Sustentável (ed. V. Soromenho- Marques). Esfera do Caos & Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, pp. 115-132.
  • RICE, J. (2007). "Ecological Unequal Exchange: consumption, equity and unsustainable structural relationships within the global economy", International Journal of Comparative Sociology, vol.48(1): 43-72.
  • SANTOS, B. (2002). A Globalização e as Ciências Sociais, São Paulo: Cortez.
  • SIEWICZ, J. et al (2010). The New World of the Anthropocene, Environ. Sci. Technol. 44, 2228-2231
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