Feminismo Negro: a chave para a interseccionalidade

31-07-2020

Artigo de Cláudia V. Silva

Racismo, xenofobia, discriminação, transfobia, heterossexismo, misoginia. A lista é grande e todos os dias estes fenómenos vão-se repetindo enquanto esperam por uma resolução ano após ano. 

As sociedades ocidentais podem apresentar-se como multiculturais, mas as minorias étnicas e racializadas ainda são muitas vezes julgadas como inferiores ou desviantes devido à superiorização da branquitude (Sue, 2006). Por isso, gostaria que fizesse o seguinte exercício comigo: independentemente das suas características físicas, como é que se autoidentifica? Qual a perceção das outras pessoas sobre si? Quantas vezes teve de referir a cor da sua pele? Quantas vezes ficou em desvantagem por esse mesmo motivo?

Importa aqui destacar o conceito de interseccionalidade. Tal como nos foi evidenciado por Kimberlé Crenshaw (1989), existem várias relações desiguais de poder como a etnia, a classe social, a idade, a situação de deficiência, a orientação sexual e a religião. Ao cruzarem-se, formam discriminações múltiplas e perpetuam a violação dos direitos humanos. Por exemplo, as mulheres racializadas, em sociedades ocidentais, são mais propensas ao isolamento e à subordinação com base no seu sexo e na cor da sua pele. No entanto, estes diferentes cruzamentos, utilizados como instrumentos de opressão e desigualdade, continuam a ser desvalorizados e distorcidos pelos  media e por outras instituições sociais e legislativas, limitando o movimento feminista e o discurso politico antirracista a uma parcela de pessoas que não representam, na totalidade, um fenómeno muito mais complexo (Hooks, 1981; (Palmer, 1983; Giddings, 1984; Davis, 2008).

Voltemos a mais uma reflexão: Enquanto mulher racializada, que influência têm as diferentes ideias racistas, misóginas e sexistas na sua vida? Quantas vezes o seu testemunho foi silenciado e a sua identidade ignorada?

É com base nesta linha de pensamento que é aqui desafiada a reformulação de toda a estrutura social para que a interseccionalidade ganhe espaço teórico e politico na defesa e  no empoderamento de mulheres racializadas e não-brancas (Crenshaw, 1991; Davis, 2008).  Falar sobre identidade étnico-racial parece ser ainda um tema complexo, mas ignorar a existência de condicionalismos estruturais e de discriminações sistémicas também não contribui para a sua prevenção e erradicação. 

Na luta pela liberdade e emancipação feminina é essencial que escutemos os grupos que mais têm sido vitimizados, pois um feminismo que não incorpore os diferentes obstáculos à vida de cada mulher não é um feminismo emancipado e não é capaz de combater as hierarquias e os estereótipos prejudiciais de toda a estrutura social.

Referências bibliográficas:

  • CRENSHAW, K. (1989). "Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics," University of Chicago Legal Forum: Vol. 1989 , Article 8.
  • CRENSHAW, K. (1991). "Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color", Stanford Law Review 43(6): 1241-1299.
  • DAVIS, K. (2008). "Intersectionality as buzzword: A sociology of science perspective on what makes a feminist theory successful", Utrecht University 9 (1): 67-85.
  • GIDDINGS, P. (1984). When and Where I Enter: The Impact of Black Women on Race and Sex in America. William Morrow and Co, Inc, 1st ed.
  • HOOKS, B. (1981). Ain't I a Woman?: Black Women and Feminism. Boston, MA: South End Press.
  • PALMER, P. (1983). "The Racial Feminization of Poverty: Women of Color as Portents of the Future for All Women", Women's Studies Quarterly 11: 3-4.
  • SUE, D. W. (2006). The Invisible Whiteness of Being: Whiteness, White Supremacy, White Privilege, and Racism. In M. G. Constantine & D. W. Sue (Eds.), Addressing racism: Facilitating cultural competence in mental health and educational settings (p. 15-30). John Wiley & Sons Inc.
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