Geração sem ganha-pão: somos todos parvos?

Artigo de Cláudia V. Silva
Que Parva Que Sou, canção do grupo português Deolinda, é comumente associada aos protestos Geração À Rasca e Movimento 12 de Março, ocorridos em Portugal entre 2011 e 2012. Tais protestos, na altura fomentados pela crise económica de 2008 e pela reorganização do sistema capitalista, opuseram-se à precariedade juvenil e levaram milhares de jovens às ruas (Antunes, 2008; Amaral, 2010). Com a atual conjuntura pandémica, a musicalidade desta faixa ainda ecoa no espaço, retratando - e bem - os sentimentos de muitos/as jovens relativamente à precarização laboral e ao aumento do desemprego juvenil. Tais efeitos têm vindo a ser sentidos à escala global pois, à semelhança com o que aconteceu, no passado, a covid-19 tem interferido com a economia de todos os países e os/as jovens portugueses/as não são os/as únicos/as afetados/as.
Se voltarmos atrás no tempo, em 2011, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já tinha caracterizado a juventude da época como uma geração perdida, sendo a situação tão alarmante que, no ano seguinte, advertiu novamente para o agravamento do desemprego entre as pessoas mais jovens (OIT, 2011, 2012). Atualmente, os números do Instituto Nacional de Estatística (INE), correspondentes aos meses de julho, agosto e setembro de 2020, parecem continuar estagnados e cerca de 25% dos jovens, com idades entre os 15 e os 24 anos, continuam a viver à rasca: ora desempregados ora com vínculos precários. Veja-se, por exemplo, o caso dos estágios não remunerados ou dos falsos recibos verdes que, não só evidenciam o estado da precarização laboral juvenil, como também o nível de desproteção social a que esta faixa etária está sujeita (Oliveira & Carvalho, 2010; Vilas, 2013).
Inclusive, com base na análise do Eurostat, sobre os impactos da covid-19 no mundo do trabalho, a probabilidade de perder o emprego é maior para os/as trabalhadores/as temporários/as e para os/as jovens empregados/as entre os 16 e os 24 anos de idade, sobretudo se ocuparem funções de baixa qualificação. Mas, não são as novas gerações mais qualificadas? Sim, no entanto, no interior de uma corporação, os/as trabalhadores/as permanentes, comumente mais velhos/as, acabam por estar mais protegidos pelos mecanismos laborais com base nos anos dados à entidade patronal (Alves et al., 2013).

O aumento do desemprego juvenil prende-se também com o agravamento do abandono escolar. Muitos/as jovens congelaram as suas matriculas ou afastaram-se definitivamente dos estudos na esperança de conseguirem apoiar economicamente as suas famílias neste período tão conturbado (Wickert, 2006; Rowland et. al, 2014). Em consequência, sujeitam-se a ofertas muito abaixo das suas qualificações e quem nunca trabalhou vê a sua entrada no mercado de trabalho ainda mais constrangida. Será que não há jeito de sairmos da cepa torta?
As oportunidades de carreira, ao invés de se expandirem, são cada vez mais escassas para as novas gerações que, em todo o mundo, se sentem inseguras, desanimadas e indignadas. Como se pode constatar, no vídeo abaixo, vários jovens, em Angola, juntaram-se para protestar contra as falsas promessas eleitorais do Presidente João Lourenço relativamente à empregabilidade juvenil.
Com baixas expectativas em relação à estabilidade do mercado de trabalho e cada vez mais dependentes do seio familiar - também ele com fortes sinais de desgaste e maior dificuldade de sustento - não admira que assistamos à (re)organização de velhos movimentos sociais que procuram responder aos efeitos da crise pandémica.
Os/as jovens estão de luto pela morte do seu futuro, mas isso não significa que estejam de braços cruzados. A reivindicação por melhores condições de vida é complexa e a precariedade juvenil, em situações de estagnação económica, vê-se num campo de treino militar, no qual uma série de desafios devem ser ultrapassados (Gonçalves, 2005; Estanque & Costa, 2011; Sá, 2014). O ativismo politico e os programas de garantia de emprego e de formação são estratégias determinantes que só serão bem sucedidas se as diversas agências, tais como os partidos políticos, os sindicatos e as organizações não-governamentais, formarem alianças capazes de alcançarem os objetivos que têm vindo a ser propostos nos últimos anos, desde a preparação da Segurança Social, à criação de respostas solidárias e ao estabelecimento de medidas de investimento público e de apoio social (Santos, 2011).

Referências bibliográficas:
ALVES, P.; POÇAS, L. & TOMÉ, R. (2013). A crise do emprego jovem em Portugal e a negociação colectiva. Universidade da Beira Interior. Anais do XV Encontro Nacional de Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho. Relações Sociais em Tempo de Crise: Trabalho, Emprego e Justiça Social. Covilhã.
AMARAL, L. (2010). Economia Portuguesa. As Últimas Décadas. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos/Relógio d'Água.
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ANTUNES, R. (2008). "Desenhando a nova morfologia do trabalho: as múltiplas formas de degradação do trabalho", in Revista Critica de Ciências Sociais, Dezembro de 2008, Coimbra.
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ESTANQUE, E. & COSTA, H. (2011). O Sindicalismo Português e a Nova Questão Social. Crise ou Renovação?, Coimbra: Almedina.
GONÇALVES, C. (2005). "Evoluções recentes do desemprego em Portugal", Sociologia, 15, pp. 125-163.
OIT (2011), Global Employement Trends for Youth 2011, disponível em www.ilo.org [consultado em 29 de janeiro de 2020].
OIT, (2012). The youth employment crisis: Time for action. Geneva: Bureau.
OLIVEIRA, L. & CARVALHO, H. (2010). Regulação e Mercado de Trabalho. Lisboa: Edições Sílabo.
ROWLAND, J.; FERREIRA, V.; VIEIRA, M. e PAPPÁMIKAIL, L. (2014). Nem em emprego, nem em educação ou formação: jovens NEEF em Portugal numa perspetiva comparada (POLICY BRIEF 2014). Lisboa: ICS/OPJ.
SÁ, V. (2014). O Desemprego Jovem em Portugal. Dissertação de mestrado não publicada, mestrado em Economia, Universidade de Coimbra. Coimbra.
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SANTOS, B. (2011). Portugal. Ensaio contra a autoflagelação. Coimbra: Almedina.
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VILAS, B. (2013). Políticas Públicas e Desemprego Jovem. Dissertação de mestrado não publicada, mestrado em Ciência Politica, Universidade da Beira Interior. Covilhã.
WICKERT, L. (2006). "Desemprego e Juventude: Jovens em Busca do Primeiro Emprego". Psicologia Ciência e Profissão, 26 (2), pp. 258-269.