Leandro Karnal em conversa com Conceição Queiroz: “o jogo do assediador, do racista, do misógino, do homofóbico é o silêncio”

23-01-2021

Artigo de Cláudia V. Silva

O historiador Leandro Karnal esteve, no passado sábado, dia 16 de janeiro, à conversa com a jornalista Conceição Queiroz, em direto no Instagram. O professor deixou o alerta para a gravidade dos «separatismos sociais» que se intensificam «com o aumento da imigração e da crise económica», confirmando que este retrocesso deve ser combatido com a ajuda da justiça.

A conversa começou com alguns relatos da jornalista acerca dos ataques constantes que lhes são dirigidos, enquanto mulher racializada, estando incluídas ameaças de morte e de violação. «Parece que as pessoas estão a deitar cá para fora o monstro que sempre tiveram dentro delas», confessou. O professor ressalvou a coragem de quem denuncia e expõe publicamente estes incidentes, pois «mais forte do que a dor é a fome» e muitas pessoas não têm condições para o fazer. Em tom de justificação, atribuiu o problema do racismo às raízes estruturais da época colonial e escravista que se tem vindo a problematizar como teoria desde o século XIX. «Um determinado grupo de elite - homens, brancos, católicos - assumem a voz do país», produzindo «um discurso de posse de território.» No caso de Portugal que, além de colonizador, foi durante muito tempo um país «católico, conservador e anticomunista», as sombras deixadas pelo regime ditatorial mostram, como sublinhou o historiador brasileiro, que o grupo dominante que deseja ser «o único porta-voz de uma essência portuguesa» é o mesmo que não consegue adaptar-se ao mundo moderno. Precisa, por isso, de um «bode expiatório» para atacar e conseguir unidade. Em contraponto, relembrou aos defensores da ideologia nacionalista que «todos os seres humanos que foram para Portugal são imigrantes de alguma forma, forçados ou não», logo a construção da nação portuguesa fez-se com o contributo de diferentes grupos, não havendo, até à data, evidências de «puro-sangue português.»

Em segundo lugar, o escritor fez referência à sexualização do corpo feminino negro que incentiva à violência e ao desdém pelas mulheres negras. Sob o desejo masculino branco, ser mulher racializada é ser «percebida enquanto corpo e não como cérebro.» Logo de seguida, explicou que o sucesso das mulheres, em especial o das mulheres negras, é justificado com os seus corpos, sobretudo em Portugal, pois tratando-se de um país pequeno, a disputa por uma posição no espaço público é maior. Ao sublinhar que a mulher racializada é a vítima perfeita, com base no casamento entre a misoginia e o racismo, o historiador aproveitou para relatar algumas situações que acontecem no seu país de origem quando mulheres são agredidas e assassinadas, no espaço público e privado, simplesmente por serem mulheres e por cometerem, simultaneamente, o «crime hediondo de terem melanina.» O escritor mostrou-se igualmente preocupado com as consequências da educação heteronormativa e machista à qual as crianças estão expostas, exemplificando a história da maçã de Adão e Eva como o primeiro registo de desigualdade de género. Frisando aqui que o problema muitas vezes não advém das leis mas da forma como são aplicadas, a sociedade acaba por difundir a ideia que as atitudes culposas devem ser atribuídas à mulher ainda que os comportamentos condenáveis sejam, em muitos dos casos, cometidos por homens. Por este motivo, tantas pessoas sentem-se legitimadas a adotarem atitudes violentas, pois não é comum serem penalizadas.

Para terminar, o professor Leandro Karnal destacou que, na luta contra o racismo, a educação deve ser reformulada e deixou um apelo para que a sociedade e as suas instituições, como a escola, o Estado e os media, se esforcem sistematicamente para eliminar o racismo quotidiano e estrutural. Além de crime, é também um veneno coletivo e um «sistema excludente» que «destrói a economia, as relações políticas e a cidadania.» Por isso, ainda que o caminho a percorrer seja longo, a representatividade social pode ser a chave para a mudança.

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