Música vs. Indústria Farmacêutica: importância da musicalidade em contexto saúde/doença

05-04-2020

Artigo de Cláudia V. Silva

O documentário Alive Inside (2014), dirigido por Michael Rossato-Bennett, elucida-nos para a importância da musicoterapia na suavização da incapacidade psicossocial provocada por determinadas doenças mentais e crónicas. Só em Portugal, os números de 2018 apontavam para mais de 190 mil casos de demência e prevê-se que, durante os próximos 30 anos, a tendência seja crescente (Alzheimer Europe, 2019). 

A relação entre a música e a saúde é remota, mas as práticas musicais só começaram a ser abordadas de forma terapêutica no decorrer da década de 1940 (Gaston, 1968). Por essa altura, já a medicina ocidental estava sob a alçada do sistema cultural e económico dominante, no qual prevalece uma certa ilusão sobre a eficácia da indústria farmacêutica (Moynihan et al., 2002). 

Em tom de protesto, o documentário Alive Inside vem a público realçar o carácter dinâmico da música na consolidação da identidade individual e grupal (Sacks, 2007; DeNora, 2013). A sua conexão com determinados neurotransmissores contribui para revitalização do nosso humor, dos nossos músculos, da nossa memória e até da nossa própria postura corporal, constituindo-se como um forte instrumento de combate ao isolamento social e à dor física e psicológica (Ansdell & DeNora, 2012). No caso da doença de Alzheimer, os movimentos musculares e as emoções são as últimas divisões cerebrais afetadas, concedendo espaço de manobra para que a musicoterapia possa ajudar os utentes a recordarem-se de experiências passadas e alcançarem uma sensação instantânea de sanidade e bem-estar sem recurso a medicamentos ou tratamentos hospitalares.

«Music can lift us of depression or move us to tears - it is a remedy, a tonic, a orange juice for the ear.» 

Oliver Sacks (2007)

Apesar do internamento de pessoas com patologias neuropsiquiátricas ser comum em estabelecimentos de cuidados clínicos especializados, alguns medicamentos e formas de lidar com a doença podem mostrar-se impotentes na reversão do mal-estar (Xavier, 2013). No entanto, as qualidades e as vantagens da musicoterapia continuam sem receber a atenção desejada por parte das entidades governamentais. Entre várias razões, encontram-se a carência de recursos humanos e a escassez de financiamento (NIMH, 2008). Consequentemente, centenas de milhares de pessoas agora internadas, inclusive de forma permanente num lugar que lhes é desconhecido, sem família, independência ou autonomia, veem a sua saúde mental e qualidade de vida constrangidas por um sistema que falha na reforma do paradigma organizacional e assistencial (Ferreira da Silva, 2008). 

    Referências bibliográficas:

  • ALZHEIMER EUROPE (2019). Dementia in Europe. Estimating the prevalence of dementia in Europe.
  • ANSDELL, G. & DENORA, T. (2012). "Musical Flourishing: Community Music Therapy, Controversy and the Cultivation of Wellbeing", in R. MacDonald, G. Kreutz e L. Mitchell (eds), Music, Health and Wellbeing. Oxford: Oxford University Press.
  • DENORA, T. (2013). Music Asylums: Wellbeing Through Music in Everyday Life. Burlington: Ashgate Publishing Company.
  • FERREIRA DA SILVA, L. (2008). Saber Prático de Saúde. As lógicas do saudável no quotidiano. Porto: Edições Afrontamento.
  • GASTON, E. T. (1968). Tratado de musicoterapia. Buenos Aires: Paidós.
  • MOYNIHAN, R. et al. (2002). "Selling Sickness: The Pharmaceutical Industry and Disease Mongering". British Medical Journal 324: 1.
  • NIMH (2008). Mental Health Medications.
  • SACKS, O. (2007). Musicophilia: Tales of music and the brain. New York: Alfred A. Knopf.
  • XAVIER, M. et al. (2013). "Implementing the World Mental Health Survey Initiative in Portugal - rationale, design and fieldwork procedures". International Journal of Mental Health System 7:19.
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