O Nu Feminino no Mundo Artístico: um fenómeno normal ou desviante?

07-04-2020

Artigo de Cláudia V. Silva

Nas artes ou na literatura, as representações de corpos humanos despidos, comumente associadas ao erotismo e ao romantismo, são notáveis em várias épocas da cultura ocidental. Utilizada como instrumento político, a nudez feminina sempre contestou as normas e as opiniões morais sobre o corpo humano, nunca abandonando o centro da polémica. Se existe quem a considere indecente, perversa ou sexista, outra parcela opta por vê-la como um símbolo de libertação, sensualidade, feminilidade e empoderamento (Nead, 1998). 

O nu feminino começou por ser associado a práticas desviantes com base na influência conversadora de instituições mais tradicionais, como a Igreja Católica, a classe burguesa e os regimes ditatoriais (Lacey, 1969; Chadwick, 1992; Pollock, 1998). A posição ideal da mulher deveria ser subordinada e limitada ao espaço privado e a herança hedonística tornou-se um alvo a abater. Não era suposto que a nudez feminina servisse para expressar valores feministas, mas conteúdos que alimentassem a máquina patriarcal. No livro When God Was a Woman, Merlin Stone, historiadora de arte, reconhece que a tentativa de destruição do sagrado e do simbolismo feminino deveu-se ao desejo masculino de reescrever a história da Humanidade e tornar-se o ser dominante e universal que usa e abusa do controlo social. Os ataques contra as sociedades matriarcais, protagonizados pelas antigas tribos hebraicas e pelas primeiras comunidades cristãs, são alguns exemplos que viriam a contribuir para o défice informacional de género.

«O problema não é o corpo feminino. O problema é o sentido social que atribuímos a esse corpo e uma incapacidade socialmente determinada de o ter em consideração.» 

Caroline Criado Perez (2020)

Apesar de o nu feminino poder ser encarado sob uma ótica cada vez mais liberal e desinibida na nossa atualidade, as expetativas sociais sobre o corpo de cada mulher continuam a nutrir a bolha de hipocrisia e a autocensura que se faz sentir entre quem receia receber represálias caso ultrapasse os limites impostos (Lacey, 1969; Jung, 1998; Nead, 1998). Em Sex and Censorship in Contemporary Society, a antropóloga Margaret Mead escreve que a condenação e o julgamento tendem a ser maiores quanto maior for a «presença de grupos heterogéneos, com padrões e aspirações diferentes, no interior da sociedade», o que me remete para a seguinte questão: nas sociedades ocidentais, os estereótipos de género devem ser ou não reformulados para que possa existir uma melhor reflexão sobre a nudez feminina em contexto artístico? 

Referências bibliográficas:

  • CHADWICK, W. (1992). Mujer, arte y sociedad. Barcelona: Destino.
  • JUNG, E. (1998). O que querem as mulheres? Poder, Sexo, Pão & Rosas. Portugal, Lisboa: Bertrand Editora, Lda.
  • LACEY, P. (1969). The History Of The Nude In Photography. Londres: Corgi Childrens.
  • MEAD, M. (1953). "Sex and Censorship in Contemporary Society", in New World Writing. Nova Iorque: New American Library of World Literature.
  • NEAD, L. (1998). El desnudo feminino: Arte, obscenidad y sexualidad. Madrid: Editorial Tecnos.
  • PEREZ, C. C. (2020). Mulheres Invisíveis. Como os Dados Configuram o Mundo Feito para os Homens. Lisboa: Relógio D'Água.
  • POLLOCK, G (1998). "Modernity and the Spaces of Feminity." In: MIRZOEFF, Nicholas (ed.). Visual Culture Reader. London: Routledge.
  • STONE, M. (1976). When God Was a Woman. New York: Dial Press
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