Prostituição Ibérica: regulamentação da prostituição em Portugal
Artigo de Cláudia V. Silva
A livre circulação de pessoas, mercadorias e serviços, no interior da União Europeia (UE), veio influenciar as relações entre países, nomeadamente o modo operandis da prostituição de mulheres nas fronteiras entre Portugal e Espanha (Tamzali, 1996; Costa e Alves, 2001; Azarya, 2004).
Se analisarmos, sob a lente politica, a forma como as áreas transfronteiriças entre estes dois países estão organizadas, percebemos que a titularidade e a atividade 'fantasma' dos espaços que se destinam à prostituição, bem como a fase de permanência das suas trabalhadoras, são alteradas com bastante frequência (Ribeiro & Sacramento, 2002). Isto acontece por dois motivos principais: 1) despistar o patrulhamento das autoridades e 2) disponibilizar um conjunto diversificado de mulheres para que a clientela nunca se aborreça (ibidem).
Neste compasso de espera, no qual a prostituição almeja ser regulamentada na Península Ibérica, é comum que as trabalhadoras, sobretudo as que se veem aprisionadas em esquemas de tráfico humano, acabem desorientadas e em situações de desproteção, vulnerabilidade e exploração por lhes ser difícil, nestas condições, estabelecer contacto com as autoridades, concretizar contratos de trabalho fidedignos e receber autorização de residência (Richard, 1999; Baganha, 2001). Por não ser uma profissão oficializada, os contratos de trabalho são fictícios e apenas contribuem para a extensão da dívida monetária entre as trabalhadoras e a entidade empregadora que obriga-as a liquidá-la com os frutos do seu trabalho (Ribeiro & Sacramento, 2002).
De acordo com os dados de alguns órgãos administrativos, burocráticos e judiciais portugueses, como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o Instituto de Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho (IDICT), são cada vez mais as mulheres de origem extracomunitária que dão entrada na UE para se prostituírem, oriundas de países como Angola, Brasil, Colômbia, Guiné, Nigéria e República Dominicana (ibidem). Os principais motivos são o subdesenvolvimento dos países de origem e os fetiches sexuais dos clientes (Ribeiro & Sacramento, 2006). Isto significa que quem se prostitui não só tem um valor de uso e de troca como também um valor identitário (Baudrillard, 1991). Ou seja, a qualidade de experiências que é capaz de oferecer com base na sua identidade. Neste sentido, os clientes também influenciam a circulação transfronteiriça entre Portugal e Espanha, optando por atravessar a fronteira com base na preferência entre estabelecimentos e mulheres ou para fugirem à reprovação social (ibidem). Tal como enunciou o sociólogo Adrian Franklin, «viajar proporciona anonimato e evasão face ao controlo, ao dever e à obrigação [...]», abrindo espaço «para a fantasia, imaginação e aventura» (2003: 255). No país vizinho, os clientes sentem-se livres para abandonar os papéis rotineiros e abraçarem, ainda que temporariamente, outra personagem.
Em Portugal, está agora lançada uma petição pública que apela à reflexão e à inclusão da prostituição na área do politico ou do politizável. Ainda que a pobreza e a desigualdade de género possam determinar a entrada das mulheres no mundo da prostituição, esta iniciativa acredita que a aplicação de "regras laborais, de saúde pública, fiscais e de segurança social" possa proteger todas as trabalhadoras e travar a entrada de menores nesta área. Leia a iniciativa aqui.
Fotografias via Getty Images
Referências bibliográficas:
- AZARYA, V. (2004), "Globalization and international tourism in developing countries: marginality as a comercial commodity", Current Sociology, 52 (6): 949-967.
- BAGANHA, M. I. (2000). «Imigrados em Portugal», Contextos de Sociologia, n.º 1, pp. 8-11.
- BAUDRILLARD, J. [1991 (1970)]. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70.
- COSTA, J. & ALVES, L. (2001). Prostituição 2001. O Masculino e o Feminino de Rua, Lisboa: Eds. Colibri.
- FRANKLIN, A. (2003). Tourism: an introduction. Londres: Sage.
- RICHARD, A. (1999). «International Trafficking in Women to the United States: a Contemporary Manifestation of Slavery and Organized Crime», DCI, Exceptional Intelligence Analyst Program, Center of the Study of Intelligence, State Department's Bureau of Intelligence and Research, Washington.
- RIBEIRO M. & SACRAMENTO O. (2002). "Prostituição Feminina no Espaço Transfronteiriço Ibérico - Um caso muito particular de circulação de pessoas", Sociedade e Cultura 4, Cadernos do Noroeste, Série Sociologia, Vol. 18 (1-2), pp. 205-227.
- RIBEIRO, F. B. & SACRAMENTO, O. (2006). "Sexo, amor e interesse entre gringos e garotas em Natal", Cronos, 7 (1): 161-172.
- TAMZALI, (1996). «La Prostitucion Feminina en la Europa de Hoy: Como Responder a esta Cuestion», Conferência proferida em Madrid: Casa da América, 17 de Dezembro.